O mundo vive uma época de divisões globais. Temos um tempo das
tribos. As pessoas se agregam em redes e comunidades. Parece tão contraditório,
mas acontece como fenômeno humano e digital. O humano toma forma instantânea e
isto tornou complexo e alucinante o modo como as pessoas estão vivendo nos
espaços e instituições. Com a relevância na e da racionalidade, foram deixadas
ofuscadas outras dimensões da condição humana, como a importância de tudo o que
é sensível e vinculante. A Igreja está neste contexto e não dispensa esses
invólucros contextuais para falar e dinamizar sua ação evangelizadora.
Necessita do diálogo com o mundo para que possa ser e viver plenamente a sua
vocação, que é de evangelizar. Quando se faz uma leitura unilateral e
tendenciosa do Concílio Vaticano II, principalmente do documento Gaudium et
Spes, acontece de se pensar que a relação da Igreja com as outras realidades
dispensa a primária preocupação que ela deve ter com aquilo que lhe é próprio e
que configura sua mais digna e honrosa identidade.
A Igreja, num futuro, vai retomar o estilo
primitivo de evangelização dos primeiros cristãos. Quando no tempo da Páscoa
meditamos o texto dos Atos dos Apóstolos e o inserimos nas atuais
circunstâncias como instrumento de interpretação, visualizamos uma Era da
Igreja que não é tão nova e que cobrará mais uma vez uma atuação martirológica
dos cristãos que exigirá uma postura de coragem e abnegação do individual para
que seja fortalecido o que é de Deus para o mundo, a fim de que o que é do
mundo possa experimentar o que é de Deus.
A Oração Sacerdotal de Jesus, no
capítulo 17 do evangelista João, é um texto emblemático para a experiência
cristã da atualidade e do futuro. Ou nós nos tornamos um como Ele e o Pai são
Um, ou não conseguiremos nos fortalecer para testemunhar o Deus Amor na
história humana. O mundo nos provoca e o faz porque estamos pecando contra a
comunhão cristã e eclesial. Leiamos os capítulos 13-17 do mesmo evangelista e
internalizemos o que é próprio dos Discípulos de Cristo, que faz com que as
pessoas se sintam encantadas pelo que é de Cristo. Quando isto não acontece, o
próprio Cristianismo e a Igreja tornam-se refém de facções. A divisão dentro do Cristianismo deu azo para que a fala
sobre a “morte de deus” ressoasse em muitos lugares e fosse propagada como a
grande afirmação da cultura moderna. Ainda levou, não só à relativização do que
seja o conceito de dignidade humana e os valores inerentes ao decrépito; mas
também a esta como objeto da técnica e das novas ideologias. O maior desafio
com o qual a Igreja deve aprender a conviver na atualidade é o diálogo com as novas
ideologias. Elas alvoreceram na modernidade, mas se radicalizaram na
pos-modernidade e penetraram nas instancias eclesiais. Não só por serem fruto
da subjetividade, mas porque esta dispensou nesta época sua relação com o real.
As ideologias que fomentam os valores hodiernos são as maiores causas das
divisões dentro da Igreja. Neste contexto, o que o Apóstolo Paulo disse à
comunidade da Galácia (Gl 1,1-12) continua sendo de profunda atualidade. Não
podemos ser traidores da Verdade de Jesus Cristo.
Hoje mais uma vez devemos fortalecer
uma espiritualidade eclesial, que é
essencialmente um sentimento com ação de unidade nas diferenças sem dispensar a
Verdade, pois só ela nos fará livres (João 8,32). No Cristianismo, quando não há
comprometimento com a Verdade de Cristo, a partir da Palavra de Deus e da sua
Tradição, não é possível o acontecimento
da comunhão. A modernidade cunhou a idéia da tolerância para sanar o problema das confusões de interesses. Isto
não foi suficiente, nem funcionou; ainda mais com a manipulação exacerbada da
verdade proporcionada na hipermodernidade pelos meios de comunicação a serviço
de quem possui o poder econômico e ideológico.
A Igreja não pode trair a sua
identidade, que está no coração de Deus. Não podemos conceber de outro modo que
não seja uma atitude de Fé. Quem não a tem não se sacrifica pelo que é de todos
e precisa ser de cada um que compõe esta Igreja. Na atualidade esta
espiritualidade eclesial tem seus fundamentos teológicos e comunitários no que
São Paulo disse aos coríntios (12,12-31). Ferir a comunhão eclesial, seja por
negação da Verdade ou por atitudes contrárias a esta, é ferir o próprio corpo
de Cristo. Percebemos problemas neste sentido e precisamos enfrentá-los.
Podemos fazê-lo porque recebemos o Paráclito que é o nosso defensor (Jo 16,7).
Para que a Igreja não seja vista pelo mundo como só mais uma instituição sem
alma, devemos nos deixar conduzir por um profundo espírito de Fé.
Por fim, não nos esqueçamos que
acabamos de celebrar a festa de Pentecostes, que é a festa da Igreja. Agora
temos a certeza que a Trindade mora no coração da Humanidade. A Igreja tem a
missão de tornar isto credível, através do testemunho dos seus componentes.
Quem não vive a comunhão, pela consagração à Verdade, não será Um com o Pai e
com o Filho, pela ação do Espírito Santo. Assim o seja!
Pe. Matias Soares
Pároco de S. José de Mipibu-RN e Vig.
Episc. Sul
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